Como psicóloga clínica, compartilho com profunda insatisfação o que senti ao ouvir a música “Borderline”, da dupla Maiara & Maraisa. A letra não apenas desinforma, ela reforça estigmas cruéis e distorce, de forma irresponsável, o que realmente significa viver com o Transtorno de Personalidade Borderline (TPB).
Logo nos primeiros versos, ouvimos: “Nem preciso de CRM pra diagnosticar essa loucura...” Essa frase é um soco no estômago de qualquer profissional da saúde, uma vez que diagnosticar não é adivinhar, muito menos zombar. É um ato clínico sério, baseado em critérios científicos e anos de estudo. Em vista disso, reduzir esse trabalho a um “não preciso de CRM” é banalizar a saúde mental e contribuir para um imaginário social onde a palavra “loucura” ainda é usada como deboche.
Mais adiante, outro trecho diz: “Esse perfil se encaixa numa personalidade borderline...” Aqui, a música transforma o TPB em rótulo de gente abusiva, como se a condição fosse sinônimo de manipulação, violência emocional e isolamento social. Nada poderia ser mais distante da verdade. Pessoas com TPB sofrem com a instabilidade emocional, com o medo do abandono, com a intensidade dos sentimentos. E acima de tudo, sofrem com o estigma.
E então vem a frase que rasga qualquer noção de empatia: “Você não é remédio de maluco, corre se não você vai afundar junto.” É importante frisar que “maluco” é um termo violento, excludente, que perpetua a psicofobia. Além disso, sugerir que alguém com TPB é uma ameaça da qual se deve fugir é desumano. É apagar a subjetividade, é reforçar o medo e o preconceito.
O problema vai além da letra em si. O que está em jogo é a banalização dos transtornos mentais por quem tem visibilidade, mas não tem preparo. Quando figuras públicas usam diagnósticos psiquiátricos como metáforas dramáticas em músicas ou discursos, espalham desinformação em massa. E isso custa caro, pois custa a autoestima, o acesso ao cuidado, a vida de quem já enfrenta uma batalha invisível todos os dias.
É 2025. E ainda precisamos gritar: Saúde mental não é entretenimento. O transtorno de personalidade borderline não é plot de novela, não é letra de música de sofrência. É uma condição complexa, que exige acompanhamento, cuidado, ciência e empatia.
Se você quer falar de transtornos mentais, fale com responsabilidade. Estude, consulte profissionais, ou simplesmente reconheça seus limites. Porque da mesma forma que você não escreveria uma música sobre câncer sem entender o que ele causa, também não deveria falar de transtornos mentais sem saber o que eles significam. Por mais empatia. Por mais ciência. Por menos estigma. Borderline não é vilania. É vulnerabilidade. E merece respeito.
Obrigada por ler até aqui e nos vemos na próxima edição — que ela seja mais afetiva, mais crítica e mais sua.
Esse texto fez sentido para você? Se sim, me escreve de volta? Vou adorar saber como você leu o que escrevi ♡
Até a próxima!
Excelente!